Para promover o amor e desvendar padrões doentios, a psicóloga clínica Dra. Becky Kennedy recomenda buscar a interpretação mais generosa.
Cada um de nós nasce em uma intrincada rede de padrões familiares que são transmitidos inconscientemente pelas gerações. Desde a infância, minha mãe me rotulou como a “boa menina”, ao passo que minha irmã mais velha foi rotulada como a “menina má”. Isso começou quando minha mãe voltou do hospital comigo e encontrou minha irmã de 13 meses chateada, retraída e difícil de confortar. Do ponto de vista da minha mãe, sua filha mais velha estava dificultando as coisas, enquanto eu era um bebê tranquilo – não tinha cólicas, como minha irmã teve.
Como nossa visão de mundo é, em grande parte, moldada por nossas próprias projeções, com o passar dos dias e anos, minha mãe continuamente encontrava evidências que confirmavam seus preconceitos e tratava suas filhas de acordo. Certa de que minha amabilidade dependia de sempre me comportar perfeitamente, cresci com um medo constante de cair do meu pedestal precariamente alto em direção ao abismo da rejeição, enquanto minha irmã sentia-se frustrada e profundamente magoada por sua incapacidade em provar que era boa.
Agora, aos 60 e 59 anos, respectivamente, minha irmã e eu estamos lidando com nosso arraigado condicionamento inicial. Na desafiadora jornada de reparação das feridas que muitos de nós enfrentamos, os conhecimentos compartilhados pela psicóloga clínica e especialista em parentalidade, Dra. Becky Kennedy, são um recurso poderosamente transformador e esclarecedor.
A crença na essência da bondade
Dra. Becky, como é conhecida por seus milhões de seguidores, acredita que todos são bons por dentro – que, em nossa essência, todos os humanos são compassivos, amorosos e generosos. No best-seller Eduque sem medo: torne-se o pai ou a mãe que você quer ser, ela escreve: “O princípio da bondade interior impulsiona todo o meu trabalho – acredito que crianças e pais são bons por dentro, o que me permite ficar curiosa sobre o ‘porquê’ do mau comportamento”.
Dra. Becky destaca a importância de separar quem a pessoa é do que ela faz. Em vez de olhar para o comportamento difícil como uma confirmação de “maldade interna”, ela olha para essas reações como um sinal de que grandes emoções sobrepujaram a capacidade de enfrentamento da pessoa. Quando vemos uma criança como “uma criança boa passando por um momento difícil” (em vez de má, descontrolada ou mimada, por exemplo), isso nos ajuda a intervir de maneira diferente – com bondade, compaixão e curiosidade em vez de indignação e raiva.
De acordo com a Dra. Becky, ajudar as crianças a desenvolver habilidades de regulação emocional é uma tarefa essencial a todos os pais. Puni-las quando o comportamento delas demonstra a falta dessas habilidades não só é injusto e prejudicial, como também leva à vergonha e isolamento, em vez de levar à crescimento e conexão. A principal maneira pela qual as crianças aprendem a administrar seus sentimentos é por meio das experiências diretas que elas têm com seus cuidadores, então os adultos precisam desenvolver suas próprias capacidades de regulação emocional junto com as crianças de quem cuidam.
O poder da interpretação mais generosa
Se quisermos evoluir à nossa melhor versão e ajudar nossos filhos a fazer o mesmo, Dra. Becky oferece uma ferramenta simples, mas excepcionalmente poderosa, que amplia imediatamente nossa perspectiva: buscar a interpretação mais poderosa (“IMG”) por trás de cada comportamento.
“Encontrar o que há de bom dentro de nós muitas vezes pode resultar de uma simples pergunta: ‘Qual é minha interpretação mais generosa sobre o que acabou de acontecer?’” Dra. Becky se faz esta pergunta não só quando se trata dos filhos dela; ela procura a IMG nas interações com seus amigos, marido e com ela mesma. “Sempre que pronuncio essas palavras, mesmo internamente, percebo que meu corpo amolece e me vejo interagindo com as pessoas de uma forma que faz com que me sinta muito melhor.”
Ela explica que encontrar a IMG ensina os pais a se concentrarem no que está acontecendo dentro de seus filhos (grandes sentimentos, grandes impulsos, grandes sensações) em vez do que está acontecendo fora deles (grandes palavras ou grandes ações) – vendo o comportamento como uma pista do que a criança possa estar precisando, não como uma medida de quem ela é.
Quando mudamos nossa orientação para o interior, ensinamos nossos filhos a fazer o mesmo. “As habilidades de autorregulação dependem da capacidade de reconhecimento da experiência interna”, Dra. Becky escreve; “então, ao focar no que está dentro e não no que está fora, estamos construindo em nossos filhos uma base para estratégias de enfrentamento saudáveis.
As crianças respondem à versão de si mesmas que os pais refletem para elas e, então, agem de acordo, e é por isso que a Dra. Becky escreve: “Se queremos que nossos filhos sejam verdadeiramente autoconfiantes e se sintam bem consigo mesmos, precisamos refletir para nossos filhos que eles são bons por dentro, mesmo tendo dificuldades por fora.”
Quebrando padrões intergeracionais
Existem inúmeras razões pelas quais encontrar a IMG pode ser um desafio, principalmente quando encontramos um gatilho. “Primeiro”, Dra. Becky escreve, “estamos evolutivamente ligados a um preconceito negativo, o que significa que prestamos mais atenção ao que é difícil em nossos filhos (ou em nós, em nossos parceiros e até no mundo em geral) do que no que está funcionando bem. Em segundo lugar, as experiências da nossa própria infância influenciam a forma como percebemos e reagimos ao comportamento dos nossos filhos.”
É comum reagirmos às crianças de forma semelhante à forma como nossos pais reagiram à nós; muitas pessoas foram criadas por pais que lideraram com julgamentos e críticas em vez de curiosidade e compreensão. Além disso, podemos reagir facilmente a gatilhos de comportamentos específicos que aprendemos a desligar quando éramos crianças – como choro, reclamação, timidez ou expressar raiva ou desrespeito. É por isso que a Dra. Becky enfatiza que é preciso um esforço intencional para corrigir o rumo e não deixar que a história se repita.
No meu caso, descobri que quando minha mãe começou a classificar as filhas em papeis totalmente opostos, ela estava repetindo o mesmo padrão que moldou o crescimento dela. Sendo a mais velha de duas filhas, minha mãe tinha sido colocada permanentemente no papel da criança “má” pela própria mãe, enquanto sua irmã mais nova era considerada o anjo da família.
No livro Eduque sem medo, Dra. Becky aborda especificamente a importância de procurar a IMG no comportamento do filho mais velho quando um novo bebê se junta à família. Ela nos pede para contemplar todo mundo bajulando o bebê enquanto dizem ao filho mais velho como eles devem estar felizes. O que acontece, ela pergunta, se o filho mais velho começar a ter ataques de raiva frequentes e grita: “Mande minha irmã de volta para o hospital! Eu a odeio!”?
Se os pais estiverem empenhados em encontrar a IMG, será mais fácil para eles verem que por trás desta preocupante explosão está uma criança com muita dor, provavelmente com ciúmes e medo ao ver tanto amor e atenção sendo desviados ao novo bebê. Como esse filho mais velho se sentiria se tivesse sido abraçado por seus pais, recebendo uma abundância de amor, conforto e segurança em vez de ser mandado para o quarto depois de ser informado de que a explosão que teve foi cruel e totalmente inaceitável? Que lições sobre sentir e expressar honestamente suas emoções ele teria aprendido?
Curando o presente ao imaginar um passado melhor
É certo que não podemos mudar o passado. No entanto, é curativo imaginar como teria sido diferente para minha irmã se ela tivesse sido totalmente acolhida pela boa criança que sempre foi, desde o momento em que minha mãe entrou pela porta de casa, há 59 anos, comigo nos braços. Fazer isso esclarece e invalida as suposições negativas de nossa mãe, que há tanto tempo se enraizaram de maneira tão firme.
Olhando para o comportamento da minha mãe pelas lentes de uma interpretação mais generosa, posso ver que ter uma filha “boa” e outra “má” era a dinâmica com a qual o sistema nervoso dela estava mais familiarizado – e que veio de forma tão natural que ela nunca pensou em questioná-la. Consigo sentir compaixão pela minha mãe, que viveu toda a vida dela com a grande dor de acreditar que era “má” e com as infelizes consequências de atribuir este mesmo rótulo a muitas pessoas em sua vida.
Seja em relação à birra de uma criança, à explosão emocional de um cônjuge ou aos maneirismos impacientes de um balconista, buscar a interpretação mais generosa pode abrir nossos olhos para o que antes não conseguíamos perceber. Mais importante ainda, pode nos ajudar a penetrar no filtro de nossos preconceitos pessoais e gatilhos emocionais, para que sejamos capazes de reconhecer a essência da bondade em outra pessoa. Este é um ato de profunda bondade para com os outros, assim como para nós mesmos.
“Não há nada mais valioso do que aprender a encontrar nossa bondade em meio às dificuldades, pois isso nos leva a uma maior capacidade de reflexão e mudança”, Dra. Becky escreve. “Todas as boas decisões começam com uma sensação de segurança em nós mesmos e em nosso ambiente, e nada parece mais seguro do que ser reconhecido pelas pessoas boas que realmente somos”.
Autor/Canal: Myra Goodman
Fonte: https://www.spiritualityhealth.com/
Fontes secundária: https://eraoflight.com/
Tradução: Sementes das Estrelas / Mariana Spinosa