Camila Picheth – “Gravidade e a metáfora do renascimento”

Camila Picheth – “Gravidade e a metáfora do renascimento”

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Gravidade foi facilmente um dos melhores filmes de 2013, deixando o telespectador desconfortável e angustiado quase o tempo inteiro na narrativa que se passa no espaço. A história pode ser interpretada de várias maneiras. Na minha visão, há uma metáfora fantástica de renascimento com a jornada da personagem de Sandra Bullock, a Dra. Ryan Stone. Eu já havia lido em algumas entrevistas que o diretor Alfonso Cuarón pretendia abordar esse elemento na trama, mas eu nunca achei que seria algo tão perfeito. Principalmente se você comparar com o que Carl Jung (o criador da psicologia analítica) tem a dizer sobre isso.

Mas, pra poder falar sobre o assunto, eu vou citar várias partes da trama. Então se você ainda não assistiu ao filme, salve a página e vá ter uma ótima experiência. Depois a gente conversa.

A Definição

Desde o começo da trama, nossos sentidos já ficam aguçados com as diferentes leis físicas do espaço. No entanto, quando Ryan consegue entrar na estação espacial antes da metade do filme, você percebe que sua angústia será levada a novos níveis, e é nesse momento que temos uma das duas cenas mais marcantes ao falar de renascimento. Ela entra na estação, tira a roupa de astronauta e se solta, girando na posição fetal como um bebê no útero da mãe (imagem que ilustra o post). Com um cabo dando impressão do cordão umbilical, essa imagem marca o começo da trajetória que irá mudar completamente a vida da personagem.

Ao falar desse conceito no livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Jung afirma que isso diz respeito ao renascimento durante a vida individual. A palavra, que vem do inglês rebirth, possui uma conotação que indica a ideia da renovação ou mesmo aperfeiçoamento. Partes da personalidade podem ser curadas, fortalecidas ou melhoradas.

Ou seja, nós temos aqui uma mulher genial que parou de viver devido a um trauma muito grande. Sua vida se resumia a trabalhar e vagar com seu carro durante horas. Ela precisava de uma mudança. E nesse caso, ela será curada, fortalecida e melhorada.

O Processo

Sozinha, Ryan precisa lutar — e muito — para sobreviver e voltar para casa. Jung coloca que “diz-se com razão que o homem cresce com a grandeza de sua tarefa. Mas ele deve ter dentro de si a capacidade de crescer, senão nem a mais árdua tarefa servir-lhe-á de alguma coisa. No máximo, ela o destruirá“. A doutora poderia ter sido destruída várias vezes se ela não tivesse o necessário dentro de si. Toda vez que ela conseguia completar uma tarefa, algo dava errado, e ela precisava forçar ainda mais pra conseguir sair daquele lugar.

Houve, no entanto, uma hora em que ela quase desistiu. E esse é o momento da verdade, o momento em que tudo muda. O personagem do George Clooney aparece do nada e entra na nave sem combustível que Ryan está quase morrendo. Obviamente, ele era uma projeção e logo desaparece, causando a ela uma epifania. Ela aceita seguir em frente. Ela aceita a morte de sua filha e de seu colega e tem coragem de viver novamente. Mas percebam que isso só foi possível depois que ela conversou com seu próprio inconsciente. Nós achamos que podemos esconder nossas dores e traumas em baixo do tapete do inconsciente e seguir a vida, mas as questões que estão lá nunca serão esquecidas, e elas sempre encontram formas emocionais e até físicas para nos fazer olhar para elas. Se não o fizermos, passamos uma vida inteira tentando ignorar sentimentos que nos previnem de viver uma vida plena e feliz. 

Jung cita no livro o encontro de Nietzsche com Zaratustra em Assim Falou Zaratustra, e também a referência bíblica do encontro de Paulo com Cristo: “Cristo veio de repente ao seu encontro na estrada de Damasco. Embora o Cristo que apareceu a Paulo não fosse possível sem o Jesus histórico, o aparecimento de Cristo a Paulo não proveio do Jesus histórico, mas sim do seu inconsciente“. Depois dos encontros, Nietzsche, Paulo e Ryan resolveram seguir por um novo caminho. Não há ninguém como você mesmo para lhe fazer refletir e tomar as decisões certas. Você é tão poderoso assim. 

E deixando ainda mais potente todos esses símbolos de transformação, é possível citar mais uma parte do livro de Jung em que ele traz a 18ª Sura do Corão — intitulada A Gruta — que contém o mistério do renascimento. “A gruta é o lugar do renascimento, aquele espaço oco secreto em que se é encerrado, a fim de ser incubado e renovado. O Corão diz sobre ele: “Talvez tenhas visto o Sol, como se inclinava ao nascer, a partir de sua gruta à esquerda ao poente, enquanto eles (os adormecidos) permaneciam no meio espaçoso”. 

Tem coisa mais perfeita do que o espaço oco de dentro da nave em que Ryan viu o Sol e foi renovada?

O Renascimento

Uma vez pronta para viver, ela passa por uma última prova. Ryan é quase destruída ao entrar na atmosfera, mas consegue pousar em um lago. E não poderia ser diferente. A água é maior símbolo do inconsciente — e essa luta faz a personagem sair do seu mundo privado e voltar para a realidade; além de fazer uma alusão ao parto verdadeiro.

Ela sai da água e fica em pé, enquanto a câmera faz um movimento que revela Ryan de baixo para cima. Grandiosa, lá está uma nova mulher pronta pra desbravar o mundo — com uma consciência limpa, uma história incrível e uma perspectiva renovada.

Gravidade é um filme visualmente incrível, com um conteúdo psicológico ainda melhor. Seja na Terra ou no espaço, a única maneira de desbloquear nossa jornada é lidar com questões escondidas que não queremos ver. Mas não tenha medo, depois da noite escura da alma, o nascer do Sol é muito mais brilhante.

Camila Picheth
Autor: Camila Picheth (Equipe Sementes das Estrelas)
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