Nos Andes se enfrenta a neve, o cansaço, o frio intenso, e, em muitas vezes, a
dor da perda.
Celeste, nascida nos Andes, é senhora de olhar muito doce e
suave. Ela se aproximou gentilmente e perguntou se poderia interromper
a família, e disse:
– Isso era um bem material, não se perturbem por isso, vocês estão todos bem,
isso é tudo o que importa.
Celeste , com sua humilde presença, ensinava através do amor.
A família havia perdido um Ipod, eletrônico dado pelo pai ao filho de 15 anos,
que distraidamente havia caído de seu bolso ou deixado sobre o banco em que
sentara antes do início da visita à vinícola.
O rapaz sentia-se culpado pela perda do aparelho eletrônico, que já
já era dele há três anos. Veio com seu nome gravado de fábrica. O pai,
visivelmente aborrecido, julgava seu filho pela falta de zelo com o caro
aparelho. O jovem não conseguiu nem usufruir da visita, o que foi outra perda,
pois a entrada para a visitação daquela bela e elegante propriedade já estava
paga.
O bom vinho tem seus mistérios, e a vida também. Vinho e vida andam de
mãos dadas nos Andes. Famílias inteiras, por várias gerações, trabalham e
prosperam por lá. A vida plena, assim como o bom vinho, pede
cuidados e conhecimento para usufruí-los com sabedoria e moderação.
Mas a doce Celeste estava lá para lembrar aos visitantes que a vida é mais
forte e importante que tudo, e ela caiu como um anjo para lembrar
dos bons momentos e do que realmente importa nessa vida.
Depois que a família já havia se acalmado pois todos emocionalmente
chegavam à óbvia conclusão que o aparelho eletrônico era apenas
material, que o que importante mesmo era desfrutar daquele lugar belíssimo,
Celeste se aproximou de mim e revelou um detalhe, um momento, uma dor de sua vida.
Fazia dois meses que perdera sua filha de vinte três anos. A jovem havia
ido dormir, para nunca mais acordar. Se foi para sempre, deixando um filho
para Celeste criar.
Celeste também revelou, que antes dessa terrível perda, morava em Londres,
quando teve um sonho, onde lhe foi revelado para voltar imediatamente para o
Chile, terra onde havia nascido. O sonho foi tão forte e real que
largou tudo, inclusive o companheiro, que lhe alertou que se ela fosse, não
precisaria mais voltar. Celeste seguiu seu coração e regressou, revendo outra
vez seus três filhos que havia deixado no Chile.
A intensa dor de Celeste, em dois meses, se transformou em sabedoria de vida.
Eu é que quase fui às lágrimas com sua história, e ela estava ali ,
compartilhando-a com minha família , com seu coração de mulher
andina.
A primeira cadeia de montanhas, nos Andes, se chama El Cordón del Plata. Seus
picos são tão cheios de neve, que quando derretem, inundam os campos férteis e
vão irrigando os dutos abertos pelo solo, que fazem a terra brotar em mil
cores, com toda sorte de frutas, azeitonas e uvas.
Nos andes, a terra sempre se move. As casas precisam ser reforçadas, porque os
“temblores” são constantes. Hoje a terra está aparentemente
quieta, amanhã não poderá estar. Os terremotos podem vir a qualquer momento,
como já aconteceu em 2007 e 2010, onde muitas vidas e safras se perderam.
Celeste que já havia passado por esses terremotos, foi sacudida por mais um
forte “temblor”, mas continuava de pé, saudando os visitantes com sua
riquíssima sabedoria e suavidade.
Me despedi de Celeste sussurrando em seu ouvido: – tua hija está bien.
Obrigada vida
Obrigada vinho
Obrigada Celeste
El Cordón del Plata nos uniu eternamente
Beijo no coração de todos
Ps: Lembram do Ipod? Um turista encontrou e o deixou na loja de vinícola. Foi
devolvido ao meu filho, pois seu nome estava gravado na parte de trás.
